Wesley Kettle é Doutorando em História Social pela UFRJ. Possui graduação em história pela Universidade Federal do Pará e especialização pelo departamento de Arquitetura da mesma instituição. Mestre em História Social da Amazônia pela UFPA, já havíamos publicado aqui no blog sua dissertação “Um súdito capaz no Vale Amazônico (ou Landi, esse conhecido)“. Com a atual situação da Capela Pombo à venda, Kettle volta a nosso blog pra falar um pouco sobre sua monografia “Capela Viva do Senhor Morto: usos do oratório público no Grão-Pará do século XVIII“, disponibilizada pra download pelo próprio autor. Confira abaixo, portanto, a entrevista com Kettle.
Você defende em sua monografia que o uso mais adequado da Capela Pombo é aquela definida pelos fiéis que a frequentam. Por quê? Você poderia esclarecer como seria essa definição?
Defendo isso porque creio que a Capela Pombo é hoje, em Belém, a construção do século XVIII mais visitada não por ter um valor histórico e artístico, ou por ter um sentido religioso pregado pela Igreja, mas pelos diversos interesses particulares dos fiéis que frequentam o espaço, tornando um lugar importante pra vida de cada um deles. A dinâmica e a vida da Capela devem ser entendidas partindo dessa perspectiva. É a visita diária, o segurar na mão do Cristo, uma gotinha de água benta nas mãos e o simples sinal da cruz apressado que dá vida à Capela. Por isso considero o uso da Capela de autoria dos seus visitantes. A Capela é hoje uma porta de acesso ao mundo espiritual, é onde o sapateiro e o juiz de direito clamam, lado a lado, pela cura da filha caçula que está no hospital – o uso dela é definido a partir dos desejos dos seres humanos, passar no vestibular, arrumar um marido, chegar em casa vivo… e tem os visitantes esporádicos: que entram pra fugir da chuva, pra se esconder do cobrador e até turistas.
A monografia também analisou e criticou o discurso de alguns intelectuais acerca da capela. Você concorda que esse discurso prejudica a forma como lidamos com patrimônios religiosos? Em que medida?
Prejudica na medida em que as instituições que trabalham hoje com esse tipo de patrimônio procuram valoriza-los repetindo argumentos desses intelectuais de meados do século passado (que, na minha opinião, não obtiveram sucesso), isto é, buscam apenas na originalidade artística e arquitetônica, no significado histórico, ou até em um autoria não comprovada, o valor do patrimônio, e esquecem de prestar atenção na opinião da população que visita ou que tem vontade de visitar aquele espaço.
Quero destacar que é preciso entender a função desse tipo de discurso pregado pelos intelectuais da década de 1960 até 1980, que discuto em meu trabalho, em seu contexto histórico. Foram os motivos políticos de um dado momento histórico que levaram intelectuais como Donato Mello Junior, Leandro Tocantins e Augusto Meira Filho lançarem mão desse tipo de argumento que dá importância à capela pelos seus ornamentos artísticos e pela assinatura do autor da obra.
Em minha opinião, o que prejudica a forma como lidamos com os patrimônios históricos em geral é não irmos além disso. Logo, penso que devemos estar atentos pra perceber como a comunidade vê aquele espaço.
No inicio da monografia, é feita uma apresentação do modo como as capelas eram construções anexadas à casa nobre, ou seja, de uso privado. Passa-se o tempo e muitos intelectuais defendem que aquela construção se tornou de domínio público. Qual seu posicionamento quanto a isso? Sendo autoria de Landi ou não, como você acha que deve ser encarada a preservação da Capela do Pombo?
Realmente, ao longo do tempo, ela assume uma função pública, ou como D. Alberto Ramos se referiu: “um oratório semi-público”, já que a capela iria atender não apenas à família do Governador, mas outros membros da administração pública. Percebo com tranquilidade as mudanças nos usos de um espaço como a Capela Pombo, e não vejo nenhum problema nisso. Deixo claro, ao final do primeiro capítulo, que podemos reconhecer a capela como um “palíndromo histórico”, isto é, particular e público – público e particular. Porém, no caso da capela, o mais importante é perceber o que seus inúmeros fiéis tem a ensinar àqueles que trabalham com preservação de monumentos históricos – é isso que busquei na minha monografia.
Sobre minha opinião a respeito da preservação, penso que a opinião dos fiéis sobre o estado deteriorado da capela deveria ser reverberado de alguma maneira, também acho que não só o poder público, como a Igreja deveria se envolver nesse processo.